13 julho 2011

Papa-Arroz


Ontem vi o "Papa-Arroz".

Passei por ele com um sorriso que mais parecia estar a ver um filho desaparecido que afinal regressou da guerra quando já ninguém esperava (imagino eu... claro que não faço a menor ideia do que é ter um filho, quanto mais ter um que foi em nome da pátria e voltou inesperadamente! mas o reencontro foi sentido por mim de uma forma que merece algum dramatismo!). Não sei que informação foi passada, desde que a minha imagem foi percepcionada, até lá acima, na cabeça dele, mas o que é certo é que fez um sorriso tão grande como o meu - o que rapidamente fez com que o meu cérebro me ordenasse que me emocionasse ainda mais...

Disse-me "Olá" e tudo!... mas não faço a mínima ideia se me reconheceu - no momento gostei de pensar que sim, na minha análise instantânea e de cariz projectivo - mas a verdade, e bem mais logicamente, é que obviamente não me tenha reconhecido... tantos anos depois.

Não me lembro de alguma vez ter falado com o "Papa-Arroz". Nem sequer sei o nome verdadeiro. "Papa-Arroz" era o nome que os miúdos que ali viviam e brincavam lhe chamavam. Acho que na minha inocência perguntei uma vez a alguém o porquê da alcunha... eu percebia o porquê, mas apesar de saber e estar bem ciente da dificuldade que muita gente passava, achava que mesmo assim era uma alcunha limitada! - o "Papa-Arroz" não podia comer só arroz!
Este senhor, com quem os miúdos gozavam (diga-se de passagem, por terem medo, e mais tarde, por estupidez!) tinha obviamente dificuldades a todos os níveis - e hoje em dia posso assegurar que, perturbações mentais e comportamentais, possivelmente por problemas neurológicos.

O "Papa-Arroz" vivia sozinho ao fundo de um corredor a meio da rua. Estava sempre muito encasacado (como ontem, aliás!) mesmo que o calor fosse infernal, trazia quase sempre um saco que remetia todos os pequenos para o temido "homem-do-saco", andava sempre desajeitado (tanto na aparência descuidada como nos movimentos) e raramente falava - e quando falava, não me lembro de alguém o compreender.

Sempre o observei com curiosidade - talvez por ser filha única e pelo interesse por pessoas em geral (que me fez todo o sentido quando tive psicologia no secundário...), não me perguntem o porquê! Mas enquanto criança sempre fui muito mais de ficar no meu canto a observar; só mais tarde passei a ser bem mais comunicativa.
Via-o "enxotar" os miúdos que se metiam com ele e que lá iam "infernizá-lo"... Sempre achei deplorável que o fizessem, e ficava envergonhada quando também olhava para mim, que estava cá em frente à loja de fotografia dos meus Pais, sossegada, como se também eu tivesse lá ido bater-lhe o portão ou gritar ou rir, ou fosse o que fosse...

Desde que me mudei para aquelas bandas, que a maioria das vezes que ali passava pensava no que seria feito daquele senhor... (já não o achava novo na altura, mas...)

Fiquei mesmo contente por ver que ainda anda por ali! E sorridente!


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