26 julho 2011

Meu Querido...


... Avô,

É com uma saudade imensa que te vejo partir, e apesar de saber que o teu sofrimento por cá terminou e que agora poderás descansar em paz, depois destes últimos meses de avanços e recuos, sei que vou sentir falta de ouvir a tua voz (ainda que jamais esqueça o seu timbre e entoação) e, principalmente, de poder ouvir respostas tuas às minhas perguntas.

Acho que, ainda assim, tive desde sempre imensa sorte por ter grandes modelos na minha vida - e tu serás sempre um deles, muito especial que tanto admiro!
Ensinaste-me muito mais do que alguma vez imaginaste! Tive o privilégio, como primeira neta (com muito orgulho! e ainda te enganei na maternidade, hmm? afinal não era o David!) e filha-única - durante toda a infância e adolescência - de poder ouvir muitas histórias sempre que ficava convosco durante as férias...
Gostava de te ouvir ler, ainda em Lisboa, quando andava p'ra lá naquele corredor enorme. E lá estavas tu, no escritório, com os bichos. Tinha medo de lá entrar sozinha, mas quando lá estavas lá estava eu - especada - a fazer perguntas sobre eles e a olhar de esguelha para aqueles gatos selvagens embalsamados com os dentes todos de fora - bem aguçados que eram! Confesso que eram tantos e todos tão diferentes que, entre pacaças, javalis, citatungas e muitos mais, eu não sabia bem para onde olhar... - e tu, com tanta paciência, lá me ias dizendo as espécies e como tinham sido os tempos das caçadas!

Mais tarde, foi a paixão pelo escotismo, quando eu entrei para as Guias e eras Chefe dos Lobitos... Herdei tanta coisa! Desde a faca-de-mato, ao chapéu igual ao de Baden-Powell, guardo tudo religiosamente, mas principalmente as histórias, na esperança de um dia ter filhos a quem passe estes gostos também.

Depois, por fim, lá aprendi algumas coisitas sobre tauromaquia - arte que tanto admiravas. Tenho verdadeiramente pena de nunca termos ido juntos a uma corrida.

E foi assim, sempre entre a natureza, que me despertaste esse "bichinho"! Acho que nunca ninguém reparou... mas a verdade é que as primeiras curiosidades que tive acerca do mundo que nos rodeia foste tu que me explicaste com mais pormenores. Perguntas ridículas (muito provavelmente) que te fazia, às quais me respondias com toda a atenção. Foi primeiro contigo, e só depois com o meu Pai, que vi documentários sobre o reino animal. E foi a partir desse bichinho que decidi, com maior seriedade, que queria ser bióloga marinha. Não sou. É verdade. Porque descobri a tempo que não ia ser um curso como imaginava. Ainda hoje me perguntam por que raio compro a National Geographic, se quem quer ser biólogo é o meu antigo namorado.

Como te admiro! Em tudo! Na coragem, na dedicação, na frontalidade, na palavra de honra, nos silêncios, no humor, no amor incondicional. Aliás, não conheci ninguém que não te conhecesse que não o fizesse! Já não há Homens como tu... espero ter um dia a oportunidade de trazer mais alguns, dando-lhes mais de ti do que somente genes.

Tinha tanta coisa para dizer, para recordar, para conversar!
Parece que te oiço "Deixa lá, miúda!" num tom sorridente e apaziguador...